Opinion Article

Reformar a ciência? Sim, mas com diversidade

Com o desígnio de aumentar os níveis de qualidade no ensino superior e reforçar o emprego científico, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior - Manuel Heitor, está decidido a fazer uma reforma no sistema de ensino superior, principalmente ao nível da ciência e dos programas de doutoramento. Todos nós concordamos que os sistemas são incompletos por natureza e que devem ser atualizados periodicamente. Contudo, o sistema de ensino superior em Portugal já atingiu um estado de maturidade considerável, cujas alterações propostas para o futuro não podem ser desligadas do presente.

Assim, relativamente ao novo pacote legislativo para o ensino superior, colocado pelo Governo em consulta pública, há a meu ver aspetos reformistas que merecem destaque, tais como o alargamento da atribuição de doutoramentos a todo o ensino superior; o princípio de limitar a acreditação dos programas de doutoramento a instituições com envolvência de atividades de I&D; a “abolição” da parte curricular dos programas de doutoramento; e a criação do conceito de docentes “integrados na carreira docente”, que vem tentar colmatar as insuficiências do conceito atual de docentes “em regime de tempo integral”.  

Contudo, um aspeto positivo, mas que requer prudência na sua aplicação, consiste na dependência das unidades de I&D de um nível mínimo de classificação de “Muito Bom” para atribuição de doutoramentos. Por exemplo, no caso particular da engenharia civil, há atualmente universidades a atribuir doutoramentos sem unidades de I&D classificadas de tal forma; além disso, é preciso ter presente as implicações da dependência com as avaliações periódicas - como ficará o aluno de doutoramento que vê a sua unidade baixar do limite mínimo de classificação? Adicionalmente, no panorama económico atual, em que nos debatemos com um subfinanciamento do ensino superior, como conseguir recursos financeiros para atingir níveis de qualidade de “Muito Bom”? Mais, com o acesso a bolsas de investigação reservado, em geral, a programas de doutoramento, como será possível o crescimento das unidades de I&D para ambicionar tal classificação?

A bem da diversidade e da não polarização regional dos programas de doutoramento, seria bom que o Governo definisse um horizonte temporal mais alargado para implementação de algumas medidas propostas ou que deixasse em aberto uma via normal para o surgimento de novos programas de doutoramento. A criatividade institucional não pode ser bloqueada com rigidez legislativa. 

Opinion Article, Published in Jornal Sol, 17 March 2018 (in Portuguese)